Um dos meus passatempos preferidos é observar. E observar de tudo: o formato das nuvens, as casas antigas, o torneado dos móveis.
As árvores, se tem vento, se tem janela aberta prá eu espiar.
Mas o que me dá prazer mesmo é observar pessoas, ver o que há de comum e de diferente.
Pois bem, estamos sexta-feira passada, meu marido e eu, em um dos nossos bares preferidos. Na mesa ao lado, meu alvo da vez, uma senhora.
Bonita, bem penteada, maquiada levemente, vestida com extremo bom gosto.
Tem gestos tão delicados! Noto o capricho com que saboreia a porção de Lula à Dorê: coloca UM anel de lula no prato e, com garfo e faca, corta em 4 pedacinhos e vai levando-os à boca, calmamente, um a um. Só então, e mais tarde, serve-se de outro anel de lula. Beberica a cerveja.
Tristemente penso que jamais serei fina daquele jeito! Os gestos serenos, o comer devagarzinho como se comida nem lhe fizesse muita falta.
A mim, a comida me apetece muito, me dá prazer, sensações. Não me contenho diante de um prato saboroso: quero apreciá-lo logo.
Já conformada com as nossas grandes e aparentemente intransponíveis diferenças, reparo que entra no bar uma cantora e seu companheiro de violão.
E tudo fica melhor com música! A MPB faz nossa noite deliciosa e refresca minha mente atormentada.
Quando começam a tocar sambas, redescubro a senhora fina na mesa ao lado. De braços erguidos, entoa um "você abusou, tirou partido de mim, abusou...".
Não sei se foi o samba que esquentou ou a cerveja que subiu, mas uma nova mulher surgiu.
E dá-lhe Paulinho da Viola, Clara Nunes, Benito de Paula.
Vejo-a cantar juras de amor para o garçom, jovem e meio constrangido.
Meu marido faz previsões macabras "daqui a pouco ela sobe na mesa!".
Prá finalizar, chega o último pedido dela: uma grande, gorda e aparentemente deliciosa panqueca, devorada em minutos.
Saímos do bar antes dela mas, lá de fora ainda ouvíamos aquela senhora fina, elegante e agora feliz, acompanhar um Martinho da Vila.